Lidar com a morte é sempre muito complicado... Assusta, traz-nos à lembrança coisas que não queremos recordar, magoa, deixa-nos sem jeito e se é complicado até falar com um adulto, com uma criança é uma tarefa quase impossível.
Ao longo destes meus 36 anos de profissão, muitas têm sido as ocasiões em que me tenho deparado com o problema, mas a atrapalhação é sempre a mesma... O que responder quando nos defrontamos com uma pergunta como a que, infelizmente, a Inês Almeida me colocou há poucos dias...
- "Professora, onde está o meu avozinho?"
Que responder? Que dizer a uma criança tão pequenina? Como explicar o inexplicável?
Ir buscar uma resposta feita, uma experiencia vivida, uma resposta dada a outra criança?
E, uma a uma, as respostas dadas ao longo destes 36 anos foram assolando a mente e quase saltaram boca fora...
Depois, olhei a Inês, tão viva, tão alegre, tão despachada, tão cuidadosa, tão maternal nos seus 6 anitos, tão amiga, tão única e tão especial, como únicas e especiais são cada uma das crianças que nos são confiadas e achei que a Inês merecia que me debruçasse sobre ela, a abraçasse, a escutasse e certamente, a célebre resposta pré fabricada, tornar-se ia também ela única e viria ao encontro daquilo que a Inês merecia ouvir.
E foi o que fiz...
Como mais uma vez não sabia o que dizer, abracei a Inês e disse-lhe ao ouvido que ainda não sabia responder à pergunta dela, mas que de uma coisa eu tinha a certeza... Onde quer que o avozinho dela estivesse, estava bem, feliz e olhava para ela, para o mano, para a mãe, o pai, a avó e para todos. Disse-lhe também que tinha a certeza que ele está muito feliz e muito orgulhoso por ter uns netos tão lindos, tão queridos e tão especiais. A Inês sorriu e fez-me a única pergunta que eu nunca esperaria:
- Achas que o meu avozinho também está orgulhoso do Kiko (o gato lá de casa)?
Perante a minha resposta afirmativa a Inês pareceu satisfeita, e lá foi aos saltinhos para a casinha das bonecas. E eu respirei de alivio, pensando que mais uma vez tinha conseguido sair airosamente de um assunto indesejável, que não quero nem lembrar. Porém...
(Pois é, há sempre um porém:-)...
...Passado uns dias a Inês, na hora do conto, pediu que recontasse"Uma lagartinha muito comilona" de Eric Carle, história que fala, entre outas coisas da transformação de uma lagarta em borboleta. E foi o que fiz... No fim da história, que pediu para contar mais duas vezes, a Inês comentou:
- Sabes professora, acho que já sei onde é que está o meu avozinho. Acho que ele agora é um anjo. Também ele foi para dentro de um casulo e agora ganhou asas e já pode voar pelo céu. Eu sei que nós não o conseguimos ver, mas eu sei que ele está lá e por isso já não estou nada preocupada!
E eu, mesmo sem querer, ia chorando e só a muito custo me segurei. Nós adultos somos mesmo complicados.
Quanta sabedoria na voz desta criança! Tanto que eu tenho a aprender com ela!!!
13 comentários:
Olha não me segurei... verti lágrimas... Que sorte têm as tuas criancinhas :)
Olha ficou PT-NSS... Quem manda estar a trabalhar a estas horas :P Beijos
RZurrapa
Não tem problema Rita... E o pequenos passos certamente sente-se muito orgulhoso por ter, no seu seio uma mensagem de alguém tão importante e com um nome tão sonante:-)... Quanto ao resto, eu é que tenho sorte de poder estar com elas todos os dias!
Bjs
Uma história mesmo linda ao deitar...é o melhor para uma noite bem dormida. Bons sonhos.
Linda esta história...as coisas que eles sabem!
Bjs
Obrigado Xinha... Há momentos assim e tu sabes tão bem como eu, que as crianças são, por excelencia, as verdadeiras portadoras da verdade... Mas ainda me causa arrepios o ar de certeza e de felicidade com que ela me afirmou que o avô agora é um anjo!
Acho que tu me entendes!!!
Obrigado Gabriela!
Um aconchego para o coração, a ideia da Inês.
Muito bonita.
Beijinhos
Prof. Anabela
BLOGando na Escola
Obrigado pela palavra certa, Anabela... É mesmo isso, um aconchego! É bom ouvir estas coisas, não é?
Obrigada por partilhares esta situação, em torno de uma questão tão sensível e sempre difícil de abordar.
Assim aprendemos convosco mais uma estratégia para lidar com ela!
Grande sabedoria a da Inês, o avô deve estar mesmo muito orgulhoso dela
Bjs, Juca e Sala Fixe
bem, fez uma grande associação. O meu grupo tem consciência da morte e sabem que as pessoas morrem e vão para o céu :)
Querida amiga...a sabedoria está no amor e esse sente-se nas crianças e em SI!
Como sabe, tenho algumas histórias editadas e como católica PRATICANTE E REALIZADA ( catequista),que sou, tenho uma coleção de pequenos contos que fala de temas por vezes difíceis de abordar. Se me permitir vou enviar precisamente um sobre a morte.
Quanto a si... que o dom da benção do Céu permaneça sempre iluiminando a sua doce LUZ!
lAURA
Obrigado Laurinha. Gostava mesmo muito de ler o seu conto... É que este é um dos assuntos que, entre outros, me deix mesmo atrapalhada! O que me vale é que também eu sou Católica por convicção e portanto acredito na sabedoria que vem do Amor e procuro viver "o momento presente", acreditando quie tudo nos vem do "Amor". Mas também acredito na partilha e nos outros, por isso gostaria imenso de ler a sua história. E muito obrigado por estar disposta a partilhá-la!
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