Estou abismada com o rumo que
leva a educação nestes nossos dias. Estou abismada e pouco feliz. Eu, que vivo
na escola há 56 anos, primeiro como aluna, depois como professora e que sempre
gostei de lá estar, estou abismada…
Desiludam-se aqueles que pensam
que hoje vou dizer mal da escola ou da educação, pois isso seria, de todo, impossível.
Ninguém pode dizer mal da sua paixão, mas mesmo apaixonada, não sou cega e por
isso mantenho este meu estado de inquietação e tenho um montão de interrogações
para as quais ainda não encontrei resposta. Estamos no sec. XXI, num tempo em
que tudo é efémero e em que “inovar” está na ordem do dia. Por todo o lado se
ouvem palavras caras, muitas vezes despropositadas e enfiadas à força no discurso,
e assistir a um telejornal em qualquer
canal de televisão, é arriscar-se a ouvir uma torrente de desgraças, de ideias
loucas e desorganizadas, de palavras mal pronunciadas, como “numaro” em vez de
número, ou ser bombardeado por palavras caras e muitas vezes inapropriadas à ocasião, como a pobre da palavra “elencar” que tão
depressa sai da boca de um político, como de um futebolista, os únicos que,
verdade seja dita, parecem ter lugar nos
nossos meios de comunicação, como se hoje, neste país de grandes homens, não existissem outros interesses.
Às vezes fico tão baralhada com o que oiço que, se não fosse pelo ecrán, até
poderia pensar que estava de volta aos exageros linguísticos e pouco reais do
sec XVII.
Mas voltemos à escola… “Muita
parra e pouca uva” diria, com a sua voz pausada e doce, o meu pai que era jardineiro.
Muita inovação, muita matéria, muita exigência aos professores, muito papelinho
e… Alunos desinteressados, pais preocupados
(pena que nem sempre seja com o bem estar, a aprendizagem e o futuro dos
filhos), professores desmotivados e exaustos numa escola que não sabe valorizar
ninguém, mas que continua convencida que está no bom caminho, embora mude as
regras todos os dias e não consiga indicar rumos retos e corretos, (maldito
acordo ortográfico), simplesmente porque ela própria não sabe por e para onde
vai.
Temos meninos peritos em tudo o
que seja liso, dê luz e os transporte para mundos irreais. Temos meninos que,
desde muito pequenos, são viciados e doutorados em toda a espécie de ecrán,
mas completamente inaptos para a vida e sem qualquer regra de vida prática. Temos
meninos grandes em tamanho, que aos nove anos já calçam uns ténis número 39,
mas que não os conseguem apertar e por
vezes ainda os calçam “ao contrário”, que não sabem estar à mesa, que não
conseguem comer de faca e garfo e que, muitas vezes chegam à escola sem saber
que, antes de se sentarem à mesa, devem lavar as mãos. Muitos nem nunca se
sentaram à mesa… estamos a inovar ou não?
Passemos então à palavra “Inovar”,
outra palavra massacrada nos dias que correm. Ainda falta o empreendedorismo…
ai que vontade de voltar à pré história, em que tudo era simples e tudo o que
se precisava para viver, era de umas boas pernas, uns bons músculos e uma moca
muito grande...
Então e afinal o que é “Inovar”?
O dicionário diz que: Inovar - i·no·var
- (latim innovo, are, renovar) é um verbo transitivo que significa: Introduzir
novidades em. , renovar; inventar; criar. E
hoje, há inovação na escola? Será que para inovar basta usar e usufruir das
novas tecnologias? As nossas crianças “Inovam” alguma coisa, quando estão
agarradas a um écran dias a fio, quando o ecran é a sua vida? É por isso que,
na nossa sala, se faz uso das TIC “qb”, mas também se desenha, se pinta, se
canta, se ri, se chora, se costura, se cozinha, se experimenta, se observa, se
cuida, se brinca ao ar livre, se mexe na terra, se catam bichinhos, se aprende
a subir às árvores, se cria e se aprende, acima de tudo, que não somos os únicos
a viver neste belo planeta que é a nossa Terra, que temos que viver em
sociedade e aprender a respeitar e amar todas as formas de vida, todas as
criaturas. Tenho 63 anos e estou na escola desde os seis anos. A escola é a
minha vida e nem sequer acho que “no meu tempo é que era bom”, pois não tenho
saudades de andar aos magotes, de ter que ser igual a todos, de andar de bata branca
quer chovesse ou fizesse sol, de usar soquetes brancos com frio ou com 40 graus,
de ter que usar tranças até aos 18 anos, de não poder rir alto nos compridos corredores
do liceu onde, ouvir o eco das nossas gargalhadas era tão bom, nem de estar no
liceu como se fosse uma monja contemplativa. Não tenho saudades dos exames, do
tempo de aula em que tinha que ficar sentada “direitinha como um fuso” e em que
se “pensasse um bocadinho em voz alta”, hábito que ainda hoje mantenho, mesmo
que pensasse sem som, bastava mexer os lábios para “ir para a rua” e ter uma
falta por mau comportamento e eu, que vindo da classe trabalhadora, de uma casa
cheia de filhos e com parcos recursos, precisava de ter sempre um bom
comportamento e bons resultados escolares para assim poder prosseguir nos estudos e poder
concretizar o sonho de vida dos meus pais que era o de dar a cada um dos seus filhos, a
possibilidade de ter uma vida melhor, de tirar um curso. No entanto tenho
saudades da ordem que havia na escola, do respeito de uns para com os outros,
da calma e por vezes até do silêncio, do cuidado que os professores e os “contínuos”
(hoje assistentes operacionais) tinham connosco, do modo como nos ajudavam nas dificuldades, se alegravam com os nossos sucessos, como nos incentivavam
a ir sempre mais longe, a procurar o saber e a aprender sempre mais. A escola
era um lugar seguro, organizado, ordenado, onde tudo corria sobre rodas e onde nada
de mal nos podia acontecer. Também tenho
muitas saudades de algumas aulas, como por exemplo, das aulas dadas por um dos meus professores de geografia com quem aprendi a viajar sem
bilhete, apenas com a ajuda de um atlas, ou de um mapa e dos livros, ou das aulas da professora
de inglês que em levou a conhecer Londres como a palma da minha mão, ou da de Francês
que me introduziu Paris mesmo sem nunca
lá ter ido, ou das aulas da Professora Liberata, o velho dragão da escola, que
lecionava Português, a quem a vida tinha
tirado o sorriso do rosto, mas que se transformava completamente quando viajava
pela selecta literária (desta vez tenho mesmo que esquecer o acordo ortográfico que seleta sem c não me parece a minha) e nos arrastava pelos autores portugueses como quem viaja
sem tempo e num espaço infinito, ou até da professora de ciências que, sem nos massacrar
com a poupança da água, com a reciclagem, com a desgraça da natureza falida e
sem nos impor a consciência ambiental, nos ensinava a amar e respeitar todos os
seres vivos que connosco coabitam na terra e nos mostrava a grandiosidade de
viver neste nosso abençoado planeta, neste nosso maravilhoso universo. Foi com eles que ganhei o meu gosto pelas
viagens, não só de avião ou de autocarro, mas através dos livros. Foi com eles que
me tornei uma leitora incansável, uma devoradora de livros, uma viajante sem
limites, nem barreiras. É esta escola que me fascina e me atrai, a escola dos
livros, a escola da vida. E que me desculpem os aficionados das novas
tecnologias, mas a tecnologia não é tudo. Inovar é recriar e para recriar é preciso ser-se criativo, conhecedor de si próprio, seguro de si, dos outros e do mundo
que nos rodeia, ser inteiro, leal, correto consigo e com os outros, respeitador
e isso só se consegue com amor, com cuidado, com educação e não bastam as tecnologias e a inovação.
Sebastião da Gama, no seu diário, escrevia: “O que eu quero, sobretudo, é que
eles sejam felizes”. E para ser feliz não se pode crescer “à solta” como as
galinhas. Para ser feliz é preciso crescer bem, crescer seguro e saber-se
amado. Por isso, menina escola, a quem amo quase tanto como a vida, deixe-se de
“inovações” e de “empreendedorismos”, deixe-se de loucuras e de mudanças constantes e
ponha os pés no chão. Aproveite as coisas boas que o sec. XXI nos trouxe e
comece a formar Homens que podem e devem fazer uso da tecnologia, mas que, acima
de tudo, estão aptos a viver em sociedade, a criar, amar, a respeitar e a
construir este nosso querido e desde sempre tão desejado, mundo novo.
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