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sábado, 6 de dezembro de 2008

Integração ou o milagre da diferença.


Semanalmente, quando faço a avaliação, costumo escrever aquilo que mais se destacou das actividades ou do trabalho da semana.
Esta semana, aquilo que mais se destaca é, sem dúvida, o "salto" que o Ibraíma deu, no seu relacionamento com os adultos e com os pares.
O Ibraíma, de 5 anos, está na nossa sala desde os três. Chegou da Guiné Conacry, sem dominar uma única palavra de Português. Tinha a sola dos pés calejados, como quem está habituado a correr em liberdade e, assim que chegava à sala, tirava os sapatos, as meias e as calças e saltava pela janela, como se o espaço da sala de aula fosse demasiado pequeno para ele.
Como não conseguia comunicar, chorava e batia nos outros meninos... Que difícil foi!
Pouco a pouco, com muita paciência, muito carinho e a ajuda dos amigos, começou a comunicar mas, como em casa só se fala "fula", um dialecto tribal,a aprendizagem da língua tem sido muito complicada.
O Ibraíma é uma criança instável e um bocadinho agressiva. Tem uma fraca auto estima e raramente está feliz. Quer sempre ser o primeiro e o único e, se lhe digo que não, e muitas vezes tenho que lhe dizer, porque a vida também é composta de nãos, fica insuportável.
Já começava a desesperar de conseguir uma integração plena, quando chegou o nosso milagre. Chama-se Carlos,é multideficiente e depende totalmente de nós, pois não fala, não se senta, vê mal, não se mexe sozinho, não controla os esfinctares e é alimentado por sonda.
Quando o Carlos chegou, lembrei-me que esta podia ser a oportunidade ideal para que o Ibraíma se sentisse indispensável. Assim, propus-lhe que fosse o padrinho dele e expliquei-lhe que o padrinho é aquele que ajuda, que cuida e que nunca pode abandonar. Ouviu com muita atenção, adorou a ideia e leva-a muito a sério. Pouco a pouco foi perdendo a sua agressividade e até já fala um bocadinho melhor. Tem-nos estado a ensinar Fula e parece outra criança,pois está muito mais crescido e responsável. E ontem...
Ontem o milagre funcionou... O Carlos não veio e eu, para ocupar o Ibraíma, pedi-lhe ajuda. Ele sentou-se ao pé de mim e, vindo do nada, começou a contar como era a sua casa em África, como era pequena, não tinha chão, nem casa de banho, que perto havia um rio pnde moravam muitos corcodilos e muitas, muitas coisas...
Foram precisos três anos, carradas de paciência e um menino deficiente profundo a necessitar de ajuda, para finalmente o ver aberto, seguro e feliz!!!
Perguntei-lhe se queria contar estas coisas aos amigos. Respondeu que não. Há que esperar e respeitar...
Espero que ele o consiga fazer. Acho que lhe ia fazer bem... O que será que o impede?
E se ele contar, tenho a porta aberta para, com eles, explorar o mundo e os povos que nele vivem.
"Vamo vê...", como diz o Alex de 3 anos.
Por agora, tudo o que quero é que eles, todos eles, sejam felizes!!!

4 comentários:

As Pequenas Flores Azuis disse...

És mesmo especial! Que sorte a dessas crianças.

Luz disse...

Cristina
A Educadora não é nada do outro mundo, e a "especialidade" é apenas o tentar viver cada momento do dia e da vida como se fosse único e o último que posso viver. isso faz-me estar atenta...
Mas tudo o resto é normal. Eu é que tenho sorte por ter esta profissão, que todos os dias me coloca desafios difarentes e é sempre nova e gratificante. Que sorte eu tenho por ter uns meninos assim!!!
Luz

As Pequenas Flores Azuis disse...

Não. És mesmo especial pois és disponivel, atenta, criativa, prespicaz, sensivel. Claro que há mais gente assim mas não ao virar de cada esquina.
É o que tem de positivo a net. Podemos contactar com pessoas e realidades que estão distantes mas que nos são tão próximas.
Graças a Deus tenho encontrado colegas a quem reconheço muito valor e que nem conheço.
BJ Cristina

Alice disse...

Oi...Luz...

Linda e comovente a história que nos conta sobre o Ibraima...mais uma vez confirma que o ser humano só necessita de alguém para amar...e a partir daí o milagre acontece. Continue a investir desse modo nas crianças...elas são o melhor do mundo...Bem haja...Bj..Alice